ARTIGO DA SEMANA
As crianças necessitam de regras − coerentes, constantes e claras
1. As crianças necessitam de regras − coerentes, constantes e claras − sejam elas trazidas pela mãe ou pelo pai.
2.
As regras da mãe e do pai, para serem saudáveis, não podem ser
(milimetricamente) iguais. Precisam de zonas de tensão, climas duma
certa aragenzinha do género: “Querem lá ver que me está a
desautorizar...” e de muita manha das crianças: quer quando falam para
dentro e, duma forma angélica, presumem que se o pai não disse que não
(mesmo que não tenha conseguido discernir a pergunta) é porque está de
acordo com ela, quer quando dizem à mãe (tipo cachorro abandonado): “Eu
queria uma coisa... mas tu não vais deixar...” (que, depois de repetida
três vezes, faz com que qualquer mãe diga “Sim!!!!!!” seja ao que for).
Para serem saudáveis, as regras da mãe e do pai não têm que ser um
exemplo de unicidade. Precisamente, unicamente, de encontrar nos gestos
de um e do outro um mínimo denominador comum.
3. As regras dos
pais, ao pé das dos avós, têm sempre “voto de qualidade”. Que as regras
dos avós sejam açucaradas é bom; até porque traz contraditório a alguns
excessos dos pais. Que em presença de um dos pais, valham as regras dos
avós, não há melhor incentivo à confusão.
4. Para as regras dos
pais serem apuradas, eles precisam de esgotar, de vez em quando, as
quotas de parvoíce a que todas as pessoas têm direito. Pais que nunca se
enganam podem ter como aspiração ser bons governantes... Mas são maus
pais.
5. Todos os pais, de coração grande, têm (por isso mesmo) a
cabeça quente. Exageram, portanto, algumas vezes. Mesmo quando, duma
forma ternurenta, mandam as crianças de quarentena para o quarto para
pensarem nas asneiras que fizeram (que, à escala do crime económico,
vale tanto como desterrar um infrator nas Ilhas Caimão para reconsiderar
sobre tudo aquilo que subtraiu à margem da Lei).
6. As regras
não se explicam, não se negoceiam nem se justificam. Muito menos,
constantemente. Explicação será exceção. A baliza de referência para
todas as regras serão os comportamentos dos pais: não é credível que os
pais exijam aquilo que eles próprios, um com o outro ou com terceiros,
não façam, regularmente.
7. As regras exigem-se. Não se solicitam. E essa exigência deve fazer-se de forma firme e serena.
8.
Às regras não se pode chegar depois de muitas ameaças, admoestações ou
avisos. E, muito menos, com decibéis em excesso ou na companhia dum
olhar assustado por parte dos pais. Se fosse assim, os pais exigiriam
serenidade e bom senso com a boca e alarmismo, inflamação e ira, com o
seu olhar (ora hostil ora assustado). E, num caso desses, as crianças
assustar-se-iam e, em função disso, tenderiam a reagir como um animal
encurralado...
9. Autoridade é um exercício de bondade. Exercê-la a medo é pedir desculpa por ser bondoso.
10.
Depois duma criança ser avisada duas vezes, as regras dos pais têm de
se cumprir. Isto é, têm mesmo de ser levadas a efeito. Ora, se os pais
avisam e não cumprem, se avisam e reagem a uma falha com mais avisos, ou
se avisam e, de seguida, são desmedidos no exercício da sua justiça,
tudo fica confuso e inconsequente.
11. Os pais não podem
zangar-se como quem promove pagamentos por conta. Na versão do velho
Oeste isso significaria: dispara primeiro e pergunta depois. Isto é: não
podem zangar-se por antecipação, na esperança de que isso promova a
justiça. E não podem, diante duma mesma infração, hoje, zangarem-se e,
amanhã, nem por isso. Porque, ao acumularem zanga, deixam passar
situações que precisariam de ser claramente repreendidas para que
reajam, mais tarde, diante doutras quase insignificantes. À escala da
política tributária, isso significaria zangas com juros de mora. E
ninguém consegue ser justo cobrando juros sobre juros a quem quer que
seja...
12. Sempre que os pais se sentem muito magoados diante
dum qualquer ato dum filho, estão proibidos de reagir num impulso. É
melhor parecerem vacilar em tempo real e, depois da mãe e do pai
conferenciarem, mais logo, ao jantar, a coima ser clara e inequívoca.
13.
A regra será: sempre que o comportamento dos filhos magoe os pais eles
estão obrigados a reagir. Sempre! Magoar os pais e não ter − numa
repreensão, num castigo, ou numa palmada no rabo, excecional − uma forma
de sinalizar o mal que se faz aos pais, através, da dor, como um
interdito, é acarinhá-lo, por omissão. No entanto, nenhuma criança se
torna má sem que os pais - por aflição, por exemplo - não promovam, sem
querer, várias maldades.
14. Atribuir-se a culpa dos atos duma
criança ao outro dos pais ou aos avós, por exemplo, é uma forma de fugir
à responsabilidade. Em caso de dúvida em relação às regras da mãe e do
pai, ou dos pais e dos avós, todas as crianças elevam a fasquia das
asneiras, na ânsia de verem os pais, sempre que elas passam por um nível
seguinte, a conseguirem ser justos.
15. Diante das asneiras das
crianças, vale pouco que os pais abusem nos castigos. Se os castigos
forem ocasionais e adequados à infração, nada se perde. Se forem
desmedidos ou repetidos são insensatos. Na verdade, sempre que os pais
dominam a situação, em tempo real, os castigos deixam de ser precisos
logo que os pais passam de verde para amarelo.
16. Se os pais
exercem a autoridade a medo, assustam. Pais assustados, tornam as
crianças assustadiças. Isto é, capazes de reagir de forma desafiante
sempre que se sentem encurraladas entre os seus medos e os medos dos
pais.
17. Se os pais exercem a autoridade de forma pesada e
deprimida, assustam, também. Porque à tristeza contida dos pais chama-se
hostilidade. E essa hostilidade, associada a um ralhete, onera uma
repreensão com sobretaxas que se tornam enigmáticas (e injustas) para as
crianças.
18. Se os pais, em vez de se zangarem, ameaçam que
ficam tristes, estão a dizer às crianças que elas os magoam (e isso,
regra geral, elas já sabem). E, claro, que são de porcelana, quando se
trata de as proteger e reagir. Pais deprimidos são, por isso mesmo, mais
abandónicos do que parecem. São amigos do queixume, mas pouco pais,
portanto.
19. Se os pais não se zangam mas amuam, estão a fazer
duma família uma escola de rancores. Rancor é ressentimento e ira, numa
relação de dois em um. E isso torna os pais mais assustadores do que
quando se esganiçam e exageram.
20. Por tudo isto, é claro que
por trás duma criança difícil está um adulto em dificuldades. Mas por
trás duma outra exemplar estão pais mais ou menos tirânicos. Da mesma
forma, por trás duma criança certinha está alguém mais ou menos
assustado que, por exigências exageradas, ainda não pôde experimentar
que a função fundamental dum filho é pôr problemas aos pais.
21. A
autoridade é um exercício de bondade. Aceita-se quando nos chega pela
mão de quem nos ama ou das pessoas que admiramos. Mesmo que as crianças,
num primeiro momento, a desafiem, que é uma forma de, por cada não
(“não me doeu”, “não ouvi”, e assim sucessivamente) afirmarem (que ela
só tem sentido) duas vezes. Seja como for, a autoridade pressupõe
sabedoria, bondade e sentido de justiça. E nenhuma criança, nenhuma
mesmo, a rejeita. Mesmo que ela chegue mediada por alguma dor. Ninguém
aprende sem alguma dor.
Como eu gosto dizer, a dor é o sal da sabedoria.
Fonte: http://www.paisefilhos.pt
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